quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Sem Resposta

Aquele amor ardente que nos doma,
Que rasga sem pudor a nossa derme,
Escava o nosso seio como um verme
E ao pânico uma lágrima se soma.

Desejo a solidão de uma redoma
Que possa proteger um peito inerme
E em cujo interior rebrote o germe
Daqueles sonhos mortos pelo coma.

Do peito arranco aos gritos uma prece
E luto para nunca mais amar,
Contudo o mesmo afeto permanece!

Se em meu sorriso a mágoa tem lugar,
Então por que procuro uma benesse
Num beijo que me fere e faz sangrar?

sábado, 18 de agosto de 2007

Desgosto

Extinta a fé que tive nesse agosto,
A minha vida aspira um novo mês,
Porém um medo atroz aqui se fez
No trono vago de outro rei deposto.

Na treva foi-se aquela paz tranqüila,
E em cada noite explode um grito vão
Rugindo em minha boca qual um cão
Em cuja fúria cega a Dor desfila.

Pesar após pesar me fez pequeno
Se mesmo as Horas¹ sangram cores frias
E a vida só nos traz o horror dos dias.

Assim elevo aos lábios fel veneno,
Porque se meu setembro nasce rubro
Desejo nunca ver a luz de outubro.


¹ Do latim Horae. Possível alusão às deusas romanas que presidiam as estações do ano e que depois foram associadas às horas do dia.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Boa Noite!

Agora repousa a minha musa
Entre nuvens, pétalas e versos!
Que na noite a Lua te conduza
Rumo àqueles alvos universos
Onde os sonhos cantam a Alegria
Beijando-te em plena luz do dia!

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Versos Sobre Uma Jovem Suicida

Naquela longa noite de dezembro
Ninguém ouviu o grito da menina
Na lágrima de dor da chuva fina,
Porém daquela súplica me lembro.

Recordo que dançava sobre as casas
A sombra de uma treva tão viscosa
Que tudo, mesmo a mais divina rosa,
Tingiu o ar com o odor de covas rasas.

Talvez jamais me lembre sem pesar
Daquilo que o Pavor deixou guardado
Nos sonhos e miragens do passado,

Mas Deus, como é difícil aceitar
Que a Morte agora mata na lembrança
Aquela que no túmulo descansa!

terça-feira, 14 de agosto de 2007

La Mort des Amants

Que seja numa noite negra e bruta
O som da nossa morte anunciada —
Que seja largo o corte da facada,
Fatal como o pavor que nos enluta.

Havemos de partir sem dor, sem luta,
Porque na nossa vida transtornada
O túmulo anuncia o próprio Nada
E a voz do coração ninguém escuta.

Então que grite a súplica indefesa
E cresça na carniça o vil abutre
Que aqui das nossas lágrimas se nutre.

Querida, só lamento uma certeza:
Jamais conseguirei amar-te agora
Que nossa triste vida vai-se embora!

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

O Pianista Decide Morrer

Para G. F. A., com estima e afeto.


Paramos numa praça entristecidos.
Sozinhos, o silêncio fez-se voz,
E aquela solidão que vive em nós
Virou lamentos roucos e vencidos.

As lágrimas secaram uma a uma.
Por fim disseste: “Não quero viver
Porque sorrir jamais foi um prazer —
Então que morra a rosa que perfuma!”

Amigo, a tumba nunca será boa,
Mas sei que no pavor que se anuncia
Na morte encontrarás uma alegria.

Porque a mesma dor no peito ecoa,
E aquele desespero tão humano
Flutua nos acordes de um piano.

domingo, 12 de agosto de 2007

Sofrimento Póstumo

Amiga, pisa leve o chão que habito
E traz formosas flores, por favor,
De modo que eu jamais venha a supor
Que ignoras a tristeza desse rito.

Liberta o meu cadáver, ser maldito,
E beija-me sem presa e sem rancor
Que mesmo no sepulcro o meu amor
Exala o doce aroma do infinito.

Amiga, a vida fez-te singular,
Mas nunca revelou o exato preço
Que pagas por nascer e respirar.

Então aceita o Céu que te ofereço,
Porque das dores que hás de suportar
O túmulo é apenas o começo.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

SCELVS CONTRA SCELERA VOS*

Do Abismo fúnebre há de vir um grito
E as Fúrias hão de ter a taça plena
Porque no túmulo outra falsa Helena
Exala o seu perfume mais maldito.

Sabei que nada, nem a bela Musa,
Fará da minha sanha rude e cega
Aquele mel que Apolo algum renega,
Porque a vossa culpa não se escusa.

Poetas, vosso esgoto em mar desagua
Porém a dor vos cinge em minhas teias
Se aqui plantais somente rosas feias.

Provai então da minha estranha mágoa
Que enquanto grita a vossa verve imunda
O meu cutelo em vosso peito afunda!


(*) Do latim:Um Crime Contra Os Crimes Vossos