A Assustadora História Precedente
A vida era um só tormento
E viver uma agonia.
No meu riso nada havia
Que fosse fruto ou rebento
Daquela força gigante
Que uma só dor não espante.
O amor não alegrava mais,
Nem a paixão ou o tédio.
Acaso haveria remédio
Contra os vermes fatais
Que, invisíveis mas presentes,
Rasgavam-me com seus dentes?
Tentei viver a verdade
De uma mentira cristã,
Mas toda palavra vã
É do presídio a grade
Que enjaula mesmo a razão
No vazio de um coração.
Nessa minha eterna busca
Por algum significado
Provei de todo pecado
E no Sol que nos ofusca
Pintei em negro matiz
Meu sentimento infeliz.
Li milhares de tratados,
Opúsculos, bibliotecas,
Hinários de várias Mecas,
Compêndios e arrazoados
Da pura Filosofia
Para alegrar o meu dia.
Mas tudo era só tristeza!,
Minha verdade uma farsa
Qual assassino e comparsa
A roubar toda riqueza
Escondida nos segredos
E na soma de meus medos.
Chorei lágrimas de fel
E, ao passar a noite enfermo,
Buscando na dor um termo,
Eis que desperto um tropel
De demônios e terrores
E crimes de várias cores.
Eles lotaram meu quarto
E, como homens de negócio,
Riram da minha dor e ócio
Com sorriso largo e farto.
Por fim, sempre cheios de si,
Negaram tudo que vi.
Calado, pesei seus gritos,
Cada gemido e argumento.
Vi-os desenharem no vento
Sonhos vagos e malditos
Sobre tumbas langorosas
Cercadas por muitas rosas.
Quando a visão se desfez
Entendi completamente
Todo pavor que se sente
Na superfície da tez
Como um espasmo de frio,
Ensangüentado ou sombrio.
Sem lamentar minha sina
Flutuei até a janela
Para ver através dela
O abismo que me fascina ―
Um vão por onde saltar
Do quadragésimo andar.
Experimentei a altura
Mirando o Sol que nascia
No horizonte do meu dia.
Desejando a sepultura,
Voei meu vôo dileto
E mergulhei no concreto.
Epílogo
O vento soprou mais fino
Ecoando a dor sofrida
De quem salta de uma vida
E feliz cumpre o destino
Dos que encontram seu prazer
No estranho ato de morrer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário