sábado, 19 de maio de 2007

Espetáculo da Vida

Numa tarde de outono vaga e fria
Fui a um reles teatro para ver
A face de uma viva alegoria
Que no palco sangrava até morrer.

Na platéia centenas de assassinos
Disfarçados de deuses e vassalos
Buscavam os prazeres mais divinos
Naquilo que haveria de matá-los.

É que naquela sala descorada
A Vida mostraria os seus talentos
Jogando os corações no próprio nada
Ao interpretar gemidos e tormentos.

E o drama começou rapidamente
Num sussurro de morte ressentida
Que, maldizendo todo deus ausente,
Revelou o Espetáculo da Vida.

No tablado vi heróis atropelados
Pelos cascos de culpas sem ofensas;
Vi também muitos mártires calados
Lamentando a ilusão de suas crenças.

Sempre atento assisti de camarote
Quando uma personagem tão real
Mostrou sob o belíssimo decote
Um coração rasgado por punhal.

E enxuguei uma lágrima culpada
Ao descobrir que tudo, até a paixão
E o sangue derramado pela espada,
Era parte da mesma encenação!

Pois todo pranto, todo passo em falso,
Fora antes ensaiado com presteza
Por sobre pregos onde o pé descalço
Deixa um rastro de mágoas e tristeza.

Mas no fim do primeiro Ato da Dor
As cortinas fecharam-se sem pressa
Deixando-me sozinho a decompor
O pavor de uma fúnebre promessa.

Porque sobre o palanque mais banal
A Vida desfilara os seus encantos
Exaltando o terrível lodaçal
Onde se afogam súplicas e prantos.

E enquanto a multidão saía à rua
Atrás de outro cruel divertimento
Senti-me como quem triste flutua
Levado pelas asas do lamento.

Mesmo os atores já iam embora
Restando apenas sombras a gemer
E um infante nascido naquela hora
E abandonado ali para morrer.

Era o meu sonho!, filho da velhice,
Inválido sem forças e sem auso,
Que, mesmo não havendo quem o visse,
Implorava do público um aplauso.

Nenhum comentário: