O Discurso de Satã
I. PRÓLOGO
Quando Satã pisou no chão do Inferno
Sentiu no peito o gume da aflição.
Triste, até seu sorriso franco e terno
Revelou muita mágoa sem perdão.
Atrás de si marcharam derrotadas
As mais belas estrelas desse céu
Que, balançando as asas alquebradas,
Seguiram-no sem pompa ou escarcéu.
Cabisbaixos, chegaram ao Estige
Bem no instante de máxima tortura
Quando mesmo a razão em dor se aflige
E o pavor entre os anjos se mistura.
Pousando com cuidado numa rocha
Que sobre as águas fundas se mostrara,
Lúcifer como um lírio desabrocha
Asas que seu Senhor nunca aprovara.
Silente, refletiu cores tingidas
Pelo sangue inocente de um Abel
E, olhando para além de muitas vidas,
Foi beber no futuro um doce mel.
E abrindo os olhos negros novamente
Sorriu como jamais tinha feito antes,
Pois eis que vislumbrara no presente
Sucessões de vitórias bem distantes.
Voltou-se à legião dos decaídos
Onde o pranto vagava como vento
Misturando ao silêncio dos gemidos
A tempestade rouca de um lamento.
Com um só gesto impôs a sua calma.
Ergueu-se como sombra sobre mar.
Vestiu-se com a luz da Estrela d'Alva
E, finalmente, pôs-se a discursar.
[Continua na parte II - Discurso]
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Notas:
- Estige: um dos rios do Inferno clássico. Suas águas são sanguíneas pois sua fonte é o sangue derramado por todos os assassinatos que ocorreram na história humana. Localiza-se no quinto círculo do Inferno, o lugar destinado aos iracundos.
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