segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Ao Mar!

A minha história nunca foi contada
Nas páginas dos livros e jornais;
Tampouco vi belezas outonais
Nas águas que me prendem neste nada.

Mas hoje rogo às ondas e corais
Que narrem minha morte desgraçada,
E ao mar que me serve de morada
Entrego meus resíduos sepulcrais...

Nereu, senhor do abismo soberano,
Recebe um coração a decompor
Nos vãos de teu sorriso desumano,

E põe nas minhas rimas essa dor
Agora que arremesso ao oceano
Missivas à procura de um leitor.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Fracasso

Nasci como se entorna sobre a Terra
O líquido de um cálice fatal —
E foi então que amei um ideal,
Mas no ato de nascer bastante se erra.

Assim, nos anos tristes do final
De um século que tanta dor encerra,
Vaguei por entre as páginas da guerra
Em busca de uma morte triunfal.

Nos pântanos do medo me perdi,
E errei por muitos anos sem um norte
Até que algum pavor me trouxe aqui.

Por fim, deixado à minha própria sorte,
Com lágrimas nos olhos me senti
Inábil para a vida e para a morte.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Matusalém

Nenhuma ruga grave ou irrisória
Fará do meu sorriso de desdém
Um hino que se canta lá no além
Enquanto o Sol se põe na minha história.

Que importa se se vive mais de cem¹
Na hora que lembramos — Ó memória! —
Que, sempre na procura de uma glória,
No afã de se viver a Morte vem?

Tornar-se velho foi o meu pecado,
A culpa cuja dor me faz sangrar
E o crime pelo qual serei amado.

Na infância conseguia até voar,
Mas hoje permaneço aqui parado
Com medo de chegar a algum lugar.


¹ Cf. livro de Gênesis, capítulo V, verso 27: "E foram todos os dias de Matusalém novecentos e sessenta e nove anos, e morreu."

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Outubro

Para Sara, nascida em 24 de outubro.


Outubro traz o brado da procela
Às tuas negras noites mal dormidas;
Outubro são paixões interrompidas
E sangue nos matizes da aquarela.

Em mês igual a esse muitas vidas
Se rendem ao fantasma da querela
Trocando uma alegria tão singela
Por lágrimas e culpas ressentidas.

Outubro junta insônia e agonia,
E faz-te ver aos prantos indo embora
Aquele terno amor que te sorria.

Mas sempre após a noite vem a aurora
Pintando na manhã a luz do dia
Até que a dor aos poucos se evapora...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Procrastinação

A Morte me atrai a si,
E assim prossigo no afã
De deixar para amanhã
A vida que não vivi.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Ao Meu Primeiro Amor

Pintei em tua noite mais sombria
Estrelas que jamais se tornarão
O fúnebre fantasma da paixão
Que mudo confessei-te um certo dia.

Em troca me feriste sem razão
Negando a mim a única alegria
Que tive nesses anos de agonia:
Amar-te no louvor de um verso vão.

Mas hoje os vermes hão de decompor
Aquele teu sorriso que me encanta,
E aos prantos rogarás o meu amor.

Amiga, mesmo assim de que adianta
Erguer aos céus um grito de pavor
Agora que o silêncio se agiganta?

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Ao Leitor

Leitor de traços meigos e vibrantes,
Contigo compartilho o meu quebranto
Em versos que revelam seu encanto
Igual às tumbas rasas dos infantes.

Escuta as incertezas que hoje canto
Porque forjei sublimes diamantes
Daqueles gritos tão medonhos que antes
Cobriram-te a cabeça como um manto.

Que alguma estrela traiçoeira
Desenhe em teu sorriso uma ferida,
Mas antes prova dessa dor primeira:

A minha rima podre e corrompida,
Porque no meu instante de cegueira
Nenhuma luz brilhou em minha vida.

domingo, 7 de outubro de 2007

À Espera do Sol

(Uma Fábula Contemporânea)


A noite desenhara mil estrelas
Nas páginas da dor que mora aqui
E lá, sem que ninguém pudesse vê-las,
Ouvi-as sussurrarem entre si:
"A treva que revela nossas cores
Também esconde a face que sorri,
E faz do sonho um poço de pavores:
A treva que revela nossas cores!"

Após alguns minutos uma voz
Seguiu a anterior em seu lamento:
"Acaso não sabeis que vindo a nós
Um dia que renasça do tormento,
Nenhuma escuridão fará brilhar
A luz de nossos filhos sem alento?
E mesmo a cor azul do vasto mar
Nenhuma escuridão fará brilhar!"

"Se nasce o dia minha voz se cala...",
Chorou ao longe alguma estrela fria,
"Nenhum mortal verá da sua sala
A estrela de algodão que lhe sorria
Naquelas noites tristes e nubladas,
Porque então morrerei de nostalgia
Lembrando que vaguei por entre fadas
Naquelas noites tristes e nubladas!"

Aos poucos o silêncio se refez
Deixando apenas mágoas rancorosas.
Pensei nas contas pagas mês a mês,
No verme que devora as minhas rosas,
E enquanto o Sol surgia no horizonte
Dancei e ri da minha estupidez
Bebendo da paixão na própria fonte
Enquanto o Sol surgia no horizonte!

sábado, 6 de outubro de 2007

Senectude

Aqueles dias prenhes de alegria
Ficaram para sempre na lembrança —
Tornaram-se somente nostalgia,
Fantasmas do que foi uma criança.

Brinquedos que jamais me viram triste
Agora me contemplam pelos cantos
Chorando aquela lágrima que existe
Nos olhos dos que aspiram mil encantos.

Na minha vida a noite se aproxima,
E enquanto para mim a Morte dança,
Anseio por compor alguma rima
Alegre igual sorriso de criança.