domingo, 23 de setembro de 2007

Soneto da Primavera

Enquanto a primavera traz prazer
Aqui um vasto deserto predomina:
Nenhuma flor ou riso de menina
Enfeita a minha carne a apodrecer.

Morri sem nunca ver o amanhecer
E agora que essa noite me ilumina
E um novo Sol reluz sobre a campina,
Verei o cemitério florescer.

Mas antes que o pavor aqui desabe
Na cova que me deram p'ra morar,
Pedi àquele deus que tudo sabe

Que as lágrimas irriguem o lugar,
Porque na sepultura que me cabe
Alguma rosa ainda vai brotar.

sábado, 22 de setembro de 2007

De Profundis

Senhor, por que jamais disseste ao certo
Que tudo nessa vida vai aos poucos
Perdendo aquele espírito que aos loucos
Desenha belas rosas no deserto?

Lutamos com o seio descoberto,
E nem a nossa dor em gritos roucos
Consegue despertar os deuses moucos
Que vivem sempre longe e nunca perto.

Ao Homem resta uma alma malferida
— Refém das alegrias mais estranhas —
E presa de uma culpa indefinida,

A lágrima rasgando-lhe as entranhas,
Na angústia descobrir que nessa vida
Somente o coração move montanhas.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Bloodless Heart

Nothingness emptied my mind
Turning me into another kind
Of monster who laughs and cries,
A living horror made of lies.

Despair has killed all my dreams
Leaving behind sorrowful streams
Of tears never seen before
In the eyes of whom I adore.

And I tried in vain to pray,
To conquer the void where I lay,
But it's always the same creed:
The more I love, the more I bleed.

sábado, 15 de setembro de 2007

Luto

A dor que não sentiste sinto agora
Ao contemplar-te nessa tumba fria
Em um momento em que o pavor devora
Toda esperança que a paixão nutria.

Os vermes hão de consumir-te as tripas
E na amargura desse chão sem fim
Verei morrer as sazonais tulipas
Daquele amor que não achaste em mim.

E enquanto a cova te recebe em festa
E sobre a Terra cai a noite densa,
Sei que na vida agora só me resta
Beber o fel de uma saudade imensa.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

The Inner Picture

It was a picture quite strange and bold
Showing a man lost in a dark place
Searching in mirrors his wrinkled face
Like a miner who looks for gold.

Before him was the whole world unfold,
Full of crimes, innocence and disgrace
And at a corner the very human race
Had buried its flaming sun into cold.

Examining the picture I ghastly found
Those living horrors one should deny
And after a while I even could see

That the picture represents the ground
Where a lonely grave says I must die
If I want to be happier and free.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Andei pelos tablados da alegria
Levado pelas asas da pureza
E entre mares e céus passei o dia
Singrando as águas fundas da Beleza.
Sempre à procura dessa Poesia,
Ausente no meu mundo mas presente
Nos teus gestos e beijos e sorrisos,
Descubro haver caminhos logo à frente
Rumo às estrelas, céus e paraísos
Aonde nos veremos finalmente!

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

A Oração de F.

Ouve o teu filho, Pai,
Atende o meu pedido!
Na lágrima que cai

O meu sono tem sido
Um descanso fatal
E um horrível gemido.

Já provei muito o sal
Dessa tristeza vaga —
Essa dor colossal

Que o meu sorriso alaga
Com seu sabor de pus
E a sua negra chaga.

Ouve, Senhor Jesus,
Esse meu brado rouco,
Mostra-me alguma luz!

Pois sorrio tão pouco
E buscando a alegria
Com dúvidas me alouco.

Se a treva vence o dia
Como posso, Deus meu,
Vencer essa agonia?

O que amo se perdeu
Nos caminhos do vício
E o meu peito plebeu

Só conhece o suplício
De ver na minha vida
Apenas um resquício

Daquela flor querida
Que chamam de esperança
E que hoje jaz ferida.

Se minha voz O alcança,
Já vencido e contrito,
Imploro-te uma lança,

Algum veneno (um grito!),
P'ra calar minha dor
Num sepulcro infinito.

Mas se em sonhos, Senhor,
Eu descobrir um lar,
Peço-te por favor:

— Não me deixa acordar!

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Eu

Chamaram-me da cátedra de Augusto.
Disseram-me: "Que versos sempiternos!"
Ao verem meus escritos dos Infernos
Surgirem na distância como um susto.

Ganhei o teu louvor sem muito custo
Pisando nos sonetos dos modernos,
E crendo ser Camões dos versos ternos,
Tornei-me um Baudelaire menos vetusto.

Contudo sou um pouco mais que nada:
Da Musa o menos lírico dos bardos,
Poeta cuja verve imunda enfada —

Talvez um entre tantos Eduardos
Que fere toda rosa delicada
E aspira cultivar somente cardos!

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

In Nomine Satanis

Que deus algum amou-te, ser restrito,
Sem antes exigir de ti também
O mesmo pranto amargo do refém
Que implora por um cárcere infinito?

Mas Eu amei-te o barro como um mito
— Amei-te com a fé que um anjo tem —
E em luta contra o teu Senhor no além
Tornei-me Satanás, um ser maldito.

Recebe o meu sinal em tua testa¹
E crê num coração jamais isento
Daquele humano amor que Deus detesta.

Porque se por amar-te me atormento,
Ferido pela angústia só me resta
Na treva prosseguir a passo lento.

¹ Seguiu-os o terceiro anjo, dizendo com grande voz: Se alguém adorar a besta, e a sua imagem, e receber o sinal na sua testa, ou na sua mão, também este beberá do vinho da ira de Deus (...) — Apocalipse, livro XVII, versos 9 e 10.