quinta-feira, 26 de julho de 2007

Hoje acordei mais triste.
Minhas lágrimas um mar.
Flores que plantei, partiste.
Jamais soubeste me amar.

Viver assim é impossível.
Só vejo cruzes na estrada.
Minha dor, indefinível.
Do riso não resta nada.

Meus sentimentos submersos
Agora procuram um porto.
Quando lerem esses versos
Estarei para sempre morto.


Obs.: Sei que a dupla negativa no oitavo verso deveria ser excluída (e de fato é simples fazê-lo). Contudo, quis deixar o verso mais coloquial ao assimilar uma ambiguidade característica da linguagem falada.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Chuva

— Uma elegia à lágrima que cai...

Chegou trazendo sombra à primavera
Em gotas transparentes e viscosas
Que abriram no jardim uma cratera.

Cruel, sequer poupou as frágeis rosas
Que ousaram exibir naquele dia
A luz de suas cores mais vistosas.

Tornou-se mágoa tudo que sorria,
E os pássaros cantaram com tristeza
As águas dessa grã melancolia.

No túmulo morreu a vela acesa,
No céu silenciou o bem-te-vi,
Tornou-se amarga a súplica indefesa,

Sangrou no mar, falou-me sobre ti,
E sua voz batendo na janela
Jogou na eternidade o que esqueci.

Pintou no coração uma aquarela —
Matizes de um horrível carmesim,
Mas disse o que somente a dor revela.

Caindo sobre as páginas sem fim
Desfez as minhas doces ilusões,
E nunca mais ficou longe de mim.

Cessando os ventos, raios e trovões,
A densa tempestade arrefeceu
Depois de transbordar os meus pulmões.

E nada mais restou que seja meu
Na lama que cobriu a estreita rua,
E embora o Sol ressurja no apogeu,

Na minha vida a chuva continua.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Hipocrisia

Liberto das amarras do papismo
Sufoquei no pecado a minha fé,
E negando o Judeu de Nazaré,
Rendi louvores gratos ao Abismo.

Sedento, degustei sublimes vinhos
Num altar consagrado ao deus Satã,
E jamais acordei pela manhã
Com medo de trilhar novos caminhos.

Contudo a minha sanha esmoreceu
Como sempre acontece com o ateu
Que não se satisfaz com heresias.

Alçando muitas súplicas sombrias,
Finalmente implorei a Deus perdão —
Enfim, tornei-me mais um bom cristão!

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Canção Noturna

Para P. D. S.


De todos os versos que escrevi
Que esse seja sempre especial:
Um verso sublime, junto a ti,
Que colha das lágrimas o sal.

Que seja ametista, ouro ou rubi,
Essa rima frágil de cristal,
E louvando o Amor meu verso aqui,
Se triste jamais te faça mal.

Porque nas palavras correm ventos
E na melodia da canção
As estrofes viram sentimentos.

Amada, que os versos que se vão,
Por vezes vazios de argumentos,
Encontrem lugar no coração.

domingo, 22 de julho de 2007

Depois do Inverno

I

Tomando do ancinho e do enxadão
Cavei um canteiro no meu peito,
E lá semeei toda emoção
Junto com botões de amor-perfeito.

Desbastei com lágrimas ferventes
As minhas hortências belicosas,
E busquei em outros afluentes
Enxertos das mais bonitas rosas.

Com mãos calejadas pela dor,
Passei madrugadas acordado
Combatendo as pragas do Rancor
E as ervas plantadas pelo Enfado.

Por fim a camélia floresceu
Ao lado das meigas violetas,
E vendo florir o esforço meu,
Chamei ao jardim as borboletas!

II

Orquídeas, crisântemos e lírios
Refletiram nuvens de algodão;
E, vivendo fáusticos delírios,
Vi flores que os céus nunca verão.

Sequer percebi quando a Tristeza
Plantou pesadelos no meu sono,
E ao pisar a acácia indefesa,
Fez brotar o inverno de um outono.

Murcharam tulipas e gardênias,
Quedou-se ferido o meu jasmim;
Chorando e cantando tristes nênias,
Um cravo morreu perante mim.

Tomado por fúnebre agonia,
Borrifei nas pétalas meu sangue,
Contudo uma estranha leucemia
Fez do meu jardim horrível mangue!

III

Debaldadas foram as batalhas
Que travei em noite sepulcral
Para proteger com mil muralhas
Aquelas belezas sem igual.

Próximo do fim caí ao chão
Sentindo chegar a primavera
Para desfazer no coração
Aquele pavor que me lacera.

Sorrindo um sorriso de velório,
Vi que jardineiro também chora,
E restando um lótus merencório,
Implorei à Dor que fosse embora.

— Ó Senhor, venci essa medusa,
Porém os botões da flor que medra,
Longe dos cuidados de uma musa,
Em meu coração viraram pedra!

sábado, 21 de julho de 2007

Dicionário da Melancolia (Tomo I)

O Dicionário da Melancolia é uma pequena coleção de dísticos escritos em eneassílabos que visa caracterizar de modo pessimista, lúdico ou irônico, alguns conceitos comuns às dores da existência.


Alegria:

Instante de máxima emoção
Quando o corpo esfria num caixão.
Arte:
Verdade que Deus aqui revela
Em tons apagados de aquarela.
Beleza:
Ilusão fatal, sublime fada;
Jamais vista, sempre procurada!
Deus:
Reles histrião num trono posto
A contar piadas de mal gosto.
Dor:
Parcela que cabe ao ser humano
Por ousar viver um grande engano.
Música:
Mentira cantada por um louco
Que da lucidez conhece pouco.
Suicídio:
Sempre dessa vida a escapatória,
Em tempos de dúvida ou de glória.
Tristeza:
Elemento mágico de uma arte
Entregue ao poeta em maior parte.
Vida:
Uma gigantesca noite fria
Marcada por gritos de agonia.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Segredo

Mirando estrelas passo a noite em claro
Pensando em tuas formas eternais...
Será paixão, amor ou algo mais
Que fez da minha dor um grito raro?

Agora um beijo doce, nunca amaro,
Desvela em cores várias ou iguais
Mistérios cujos lábios virginais
Repetem o que em versos eu declaro:

Que sendo o meu segredo mais dileto
Render às flores desse meu outono
Um canto puro, calmo ou inquieto,

Desejo ser das rosas o patrono
Plantando as minhas súplicas de afeto
Nas cálidas paisagens de teu sono.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Carta da Musa ao Poeta

Monte Parnaso, 18 de julho de 2007

Poeta,

            nunca desanime
Se a tua verve esmorecer
Ou se o que escreves com prazer
Foi concebido pelo Crime.

A Arte jamais foi recompensa
Dada a um espírito feliz,
Contudo a Musa nunca quis
Que a tua mágoa fosse imensa.

As tuas lágrimas de dor
Eu agasalho junto ao seio,
E às vezes pálida receio
Não ter ganhado o teu amor.

E embora alguém possa odiar
A melodia de teus versos
E o teu louvor em metros tersos,
Na minha cama tens lugar.

Porque se chora a tua lira
Meu coração aos poucos erra
E vaga triste pela Terra
Atrás de um monstro que lhe fira.

Assim, poeta, quando o céu
Mostrar sinais de noites frias,
Prepara as tuas poesias
Pois que sem pompa ou escarcéu

Virei trajando um negro manto
Para beijar os lábios teus
E transformá-lo nesse deus
Em cujo riso grita o Pranto.

E.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Profecia

Espasmos, gritos e gemidos transtornados
Assaltarão as faces puras das crianças
Enquanto as mais sangrentas guerras e matanças
Seduzirão as almas livres de pecados.

No céu a seca deixará somente ventos
E muitas bocas provarão do fel as dores
Para matar a sua sede de pavores
Regurgitando no sepulcro mil tormentos.

E quando a Terra se tornar um mar de sangue
E mesmo o Amor se transformar num incapaz
E o próprio Cristo esmorecer na cruz exangue,

O nosso mundo clamará em vão pela paz,
Porque naquele dia um deus de riso langue
Há de cair prostrado aos pés de Satanás!

terça-feira, 17 de julho de 2007

Os Olhos de Paola

Ficarão na lembrança eternamente
As luzes desse olhar de muitas cores,
Um olhar cujo brilho sem poente
Instila-me a sonhar novos amores.

No véu dessas pupilas espelhadas
Vejo um mistério vívido e indiviso:
A marca das paixões dilaceradas
Que afogaram as culpas de Narciso.

Mas ocultos por mechas reluzentes,
Ou livres ao sabor de uma promessa,
Os teus olhos, Paola, são presentes
De uma manhã que sempre recomeça!

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Verve Triste

Opus Nº 1

Mas se me perguntardes a razão
Desse meu amargor tão infeliz
Mentirei para vós com prontidão —
Dir-vos-ei: a Tristeza é quem me quis!

E sabereis que minto sem paixão,
E porque o meu olhar é falsa atriz
Fujo de vós e miro o imundo chão
Na ânsia de esconder o que ela diz.

Verto mais uma lágrima iracunda
E enquanto permaneço cabisbaixo
Na minha vida a mágoa se aprofunda...

Todavia se olhardes por debaixo
Desse manto de hipócritas mentiras
Vereis que minha dor tange mil liras!


Opus Nº 2

À luz de lamparinas o alquimista
Prepara um verso prenhe de lirismo
Violando os caixões de seu abismo
Atrás de uma beleza nunca vista.

Perdido em seu labor decadentista
Ele mistura ao fel do paroxismo
Aquela graça, angústia e cinismo
Que nasce da paixão que nos conquista.

Assim aplica fórmulas e rosas
Para fazer do chumbo uma canção
E, destilando mágoas rancorosas,

Da sua dor as rimas nascerão
Frágeis, impermanentes e vistosas,
Como se fossem bolhas de sabão.

domingo, 8 de julho de 2007

13 Versos Sobre um Crime

É triste relembrar a cama fria,
Os lençóis afogados em vermelho
E o punhal assassino sobre a pia.

É triste descobrir sangue no espelho,
Meus gritos a vagar nos corredores
E na voz do demônio um conselho.

Na memória perduram só pavores,
Mas algo nessa culpa me redime
E 'inda sonho com cálidos amores.

Perdoai, Deus, o meu estranho crime,
O sangue derramado, o talho atroz,
Pois esse meu amor se fez sublime,

O amor que se tornou o meu algoz!

sábado, 7 de julho de 2007

Soneto XXVII

Toda a rosa que amei foi esmagada
Pelos cascos da inveja mais nefanda;
E se na minha voz urge a risada
As minhas mãos a súplica comanda.

Meu mal é pressentir a chama morta
Do fogo que promete arder no frio;
E na noite bater de porta em porta
Procurando um amor menos sombrio.

Fui condenado a ver pelas calçadas
A imagem permanente da vingança;
Pois se ofereço o seio às flechadas
Cupido não me fere, não me lança...

Que farei, ó Senhor, se sonho em vão,
Se no meu peito não há um coração?

sexta-feira, 6 de julho de 2007

A Morte do Poeta

Enfeitada por flores carcomidas,
A profunda e sinistra sepultura
Receberá na hora da amargura
As minhas poesias nunca lidas.

Bem junto ao meu cadáver estarão,
Como vermes famintos por pecados,
Aqueles versos frios e fanados
Que brotam no jardim do coração.

Qual ópera o Suplício cantará
Nas rimas que estarão sempre comigo
Para a minha alegria e meu castigo.

Mas por fim o silêncio reinará
E no lugar de meus gemidos graves
Somente se ouvirá o canto das aves.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Boa Morte

Após provar do amor as mil ofensas
E escrever muitos versos sem lirismo
Tornei-me triste presa do ostracismo
E à sarjeta atirei as minhas crenças.

Procurei um prazer que não se evola,
Porém para curar a minha chaga
Fechei-me numa culpa semi-vaga
A sós com o Pavor e uma pistola.

E bem no limiar dessa aflição
Repousei o metal no coração
Movido por alguma fúria cega,

E puxando o gatilho o chumbo quente
Atravessou um peito que se nega
A estar em paz consigo finalmente.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Licor Ciano

À meia-noite acordarei sem sono,
E vitimado pela dor da vida,
Procurarei numa paixão perdida
A cura para o meu triste abandono.

E relembrando o dia que fugi
Daquele beijo que me foi negado
Misturarei ao meu triste pecado
Essa loucura de viver sem ti.

E tateando as trevas da lembrança
Encontrarei ao lado do meu leito
A taça fúnebre da atroz Vingança.

Mas ela, esvaziada sem proveito,
Terá ainda resquícios de veneno
E as mágoas desse desespero pleno.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Ars Coloris

Conheço artistas do prazer e pesadelo
Cujos quadros pintados sem a luz do Sol
Parecem implorar à sombra do arrebol
Um novo horror com franco e persistente apelo.

Ao saber dessa súplica vimos do Abismo
Para então adentrar sinistras galerias
E descobrir porque tão belas alegrias
Sucumbem ao rancor desse tinto cinismo.

Há sangue nas paredes (molduras jamais!),
E em tudo que meu estranho olhar se detém
Um cadáver infante cavalga no além
A imagem distorcida de amores iguais.

O matiz de uma aquarela ousa me dizer
Que do pecado colhe-se frondosa messe
Pois Deus do crime cúmplice jamais se esquece
E há de punir no corpo esse carnal poder.

Odeio vossas obras, pálidos artistas!
A noite que nos palcos da vida encenais
Nunca vencerá aquela dos céus infernais;
Porque a treva sublime de vossas conquistas

Não passa de um esquálido e pungente raio
Tirado à matriz da melancolia morbosa
Que viceja no tédio qual funérea rosa
Na tumba nua sob as lágrimas de maio.

E o que vomita vossa aquarela incolor,
Mesmo frígido e exposto ao paladar do verme,
É menos do que prova vosso sangue inerme
Dessa trêmula, imensa e sempre eterna dor.