quinta-feira, 31 de maio de 2007

Vinte e Seis Anos de Solidão

Dias tristes aqueles que assim vivo:
Amante solitário, bebo vinho.
Preso à pena escrevi versos sozinho
E da Tristeza fui sempre cativo.

Quando virás, paixão cinza e dolente,
Fincar no coração meu teus punhais?
Eis que já não suporto viver mais
Uma vida de ausências pela frente.

Agüentei vinte e seis anos de dor,
De mentiras e amores fraudulentos.
Que crime cometi em pensamentos
Para que me negassem todo o amor?

Dos poetas que a Musa tanto quis
Somente eu passo os dias infeliz!

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Audácia Condenada

Após ferir no seio o próprio mito
Um anjo condenou-me a ver no mundo
O mesmo brilho pálido e infecundo
Que vi nos horizontes do infinito.

A minha insensatez me fez maldito
E até redescobri um prazer imundo
Bebendo o vinho quente e rubicundo
Que flui das veias gordas do delito.

Assim tornei-me um sábio ignorante,
Um louco mudo, estúpido e sem graça,
Que vaga pelas ruas (sempre avante!)

Atrás de uma miragem que não passa,
Sonhando com palácios e uma amante
Enquanto dorme inerte numa praça.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Sonolência Grave

Hipnos assombra as alegrias mais isentas
E semelhante ao grito rouco dos devassos
Ele também arrasta seus pesados passos
Pelos jardins cheios de flores sonolentas.

Poucos resistem ao rumor rasgado e escuro
Que afronta sonhos, corações e pesadelos
Quando ele chega no silêncio dos apelos
Para alargar nosso sorriso mais impuro,

E ao despertar banhado em sangue novamente
Homem nenhum conseguirá dormir calado
Vendo deitar esse assassino do seu lado.

Mas sempre há aqueles que vivendo o inconseqüente
Bebem, assim como eu, soníferos mais fortes
Para dormirem por prazer milhões de mortes!

___

Hipnos, segundo a mitologia grega, foi o deus do sono, filho da noite, Nix, e do caos primordial, Érebo. Seu filho mais importante foi Morfeu, o deus dos sonhos. Mais informações (em inglês): http://en.wikipedia.org/wiki/Hypnos.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Melancholia Plena

Há quase dois séculos o Conde M. Flavius se afogou no Mediterrâneo durante uma tempestade. As ondas que o levaram fizeram-no aportar num mundo desconhecido, um mundo de abandono e melancolia. Agora ele é náufrago numa ilha de solidão e desespero, escuridão e amargura. Hoje esse antigo morador dos abismos salgados ergue seu cântico ao presenciar nuvens negras surgindo no horizonte...
Há cento e setenta anos vivo sem sono.
Meus olhos estão sempre abertos, sonhando,
E às vezes suporto um estranho abandono
Ao ver no horizonte a procela chegando.

Não sei se os trovões cessarão algum dia
Pois há tempestades que nunca chorei
E há lágrimas, tantas que minha agonia
Tornou-se rancor e depois se fez lei.

Agora meu reino não passa de sonhos,
Promessas e gritos de dor abafados
E muitas imagens e quadros medonhos
De vales distantes na bruma afogados...

Há quase dois séculos eu vivo assim
E meu pesadelo jamais chega ao fim!

domingo, 27 de maio de 2007

Eu, Talassocrata

Um dia chegarei ao mar Egeu
Para pisar a areia aveludada
Como um imperador de tez salgada
Imbuído da força de Nereu.

Afogarei nas ondas o meu cântico
E andarei por recifes milenares
Aspirando o perfume dos altares
Erigidos nos pélagos do Atlântico.

O rumor da procela será os gritos
Que preencherão meus pulmões vazios
De tanto respirar a água dos rios.

Porque o mar, guardião de tantos mitos,
É esquife onde a tristeza vira nada
E abismo que me serve de morada!

___

Nereu é, na mitologia grega, o deus do mar anterior a Posídon. Era um dos titãs, filho mais velho de Pontos e Gaia. Seu reino era o Mediterrâneo, mais particularmente o mar Egeu (que tem esse nome devido ao rei Egeu que se suicidou nesse mar). Mais informações (em inglês): http://en.wikipedia.org/wiki/Nereus e http://en.wikipedia.org/wiki/Aegeus.

sábado, 26 de maio de 2007

Velhice

Mesmo as flores perderam o seu viço
Tornando-se mefíticas e sérias
Enquanto nesse meu corpo enfermiço
O sangue coagula nas artérias.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Vampira

À treva virgem da cova
Eu fui à tua procura
Pois sei que na sepultura
Hei de encontrar vida nova

Para minha alma que anseia
Provar o sangue de Deus
E beber dos lábios teus
O vinho da Santa Ceia.

O gelo de teus abraços
É todo calor que almejo —
É a força do meu desejo
Presa nos meus membros lassos

De cavar a terra fria
Dos cemitérios antigos
E dormir entre os jazigos
À espera daquele dia

Em que virás até mim
Na escuridão de algum leito
Para fincar no meu peito
Teus dentes de alvo marfim,

Derramando a minha vida
No momento em que me calo
Ao ver que meu sangue ralo
Será enfim tua bebida.

E agora que estás aqui,
Esse pavor tão distinto
Já iguala o medo que sinto
De negar meu sangue a ti!

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Ruínas

Cruzei sozinho os restos da muralha
Que protegeu meu sonho mais amado
Das intempéries frias e do pecado
Cujo rude silêncio me amortalha.

Estátuas rastejavam pelos cantos
E aquela força, aquela proteção,
Se fizera em pedaços pelo chão
Junto com outros ídolos e santos.

Meu castelo ruíra no abandono
Restando apenas crimes e memórias
Sobre pedras vencidas e irrisórias
Perdidas no pavor de um longo sono...

Descobri tanta dor morando ali,
Nos escombros da vida que vivi!

quarta-feira, 23 de maio de 2007

O Concerto (Opus Nº 2)

Dedicado a G. F. A.
Meu sangue ferveu quando o pianista
Num gesto de loucura rara e vã
Juntou à sua súplica cristã
Composições de cunho satanista.

Logo a esfera celeste foi fendida
Pelo rugir de cordas de metal —
Uma canção sublime e angelical
Que escorre da tristeza e da ferida.

Tal música marcou todo compasso
Com garras de veneno rasgando aço
Numa dança macabra e traiçoeira.

No ar rugiram gemidos de agonia
E a cada nota amarga que se ouvia,
Meu grito sacudia a Terra inteira.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Ars Poetica

A poem should not mean
But be.
— Archibald MacLeish

Quando a tristeza beija a minha pele fria
E a solidão desperta um novo pessimismo
E com prazeres de suicida sonho e cismo,
É necessário compor outra poesia.

Risco o papel com desespero, fel e tinta.
Em cada rima meu pavor é sangue e pus,
E no final o meu soneto em si traduz
Toda paisagem que no túmulo se pinta.

Contemplo exausto a tempestade do meu feito,
E na certeza que estarei vivendo em vão,
Sinto-me carne podre dentro de um caixão.

Porque meu verso é uma facada no meu peito,
É um afogado que se atira em todo mar —
Alguém que parte para nunca mais voltar...

segunda-feira, 21 de maio de 2007

A Uma Amiga

A ti, K. T. H, por seres luz
nos meus dias de escuridão...


Tão doce, tímida e bela!
És um Sol a se esconder
Nos raios do alvorecer
Que pintam essa aquarela
De cores e fantasia
Na vastidão do meu dia.

Tão meiga e humana demais
Que no teu lábio eu vejo
Pousar sempre esse desejo
De sorrir um pouco mais,
De se entregar sem razão
Às razões de uma paixão.

Teu olhar me faz supor
Que os corações tão somente
Sabem falar docemente
Com certeza e sem temor
Daquela luz que cintila
Qual flama em tua pupila.

E em tua pele a fragrância
Da floração mais brilhante
Revela-se um diamante
Reconhecido à distância
Entre o matiz e o cristal
De teu riso angelical.

És uma fada, eu bem sei,
Pois teus encantos sem fim
São rosas que num jardim
Florescem sem medo ou lei
Refletindo essa beleza
Que é tua, minha princesa!

domingo, 20 de maio de 2007

Heresia

O Sonho decompõe toda certeza!
Dormia numa cama de terrores
Quando subitamente a Grã Beleza
Surgiu num ilusório véu de flores.

Seu perfume inundou o quarto inteiro
E, assombrado, beijei com ânsia plena
Os lábios de um instante derradeiro
Na figura belíssima de Helena.

Naquele corpo, templo do prazer,
Cultuei o sagrado feminino
E na minha loucura quis sorver
Todo o vinho do cálice divino.

Sonhando, bebi o mel do desvario
E acordei vomitando sangue frio!

sábado, 19 de maio de 2007

Espetáculo da Vida

Numa tarde de outono vaga e fria
Fui a um reles teatro para ver
A face de uma viva alegoria
Que no palco sangrava até morrer.

Na platéia centenas de assassinos
Disfarçados de deuses e vassalos
Buscavam os prazeres mais divinos
Naquilo que haveria de matá-los.

É que naquela sala descorada
A Vida mostraria os seus talentos
Jogando os corações no próprio nada
Ao interpretar gemidos e tormentos.

E o drama começou rapidamente
Num sussurro de morte ressentida
Que, maldizendo todo deus ausente,
Revelou o Espetáculo da Vida.

No tablado vi heróis atropelados
Pelos cascos de culpas sem ofensas;
Vi também muitos mártires calados
Lamentando a ilusão de suas crenças.

Sempre atento assisti de camarote
Quando uma personagem tão real
Mostrou sob o belíssimo decote
Um coração rasgado por punhal.

E enxuguei uma lágrima culpada
Ao descobrir que tudo, até a paixão
E o sangue derramado pela espada,
Era parte da mesma encenação!

Pois todo pranto, todo passo em falso,
Fora antes ensaiado com presteza
Por sobre pregos onde o pé descalço
Deixa um rastro de mágoas e tristeza.

Mas no fim do primeiro Ato da Dor
As cortinas fecharam-se sem pressa
Deixando-me sozinho a decompor
O pavor de uma fúnebre promessa.

Porque sobre o palanque mais banal
A Vida desfilara os seus encantos
Exaltando o terrível lodaçal
Onde se afogam súplicas e prantos.

E enquanto a multidão saía à rua
Atrás de outro cruel divertimento
Senti-me como quem triste flutua
Levado pelas asas do lamento.

Mesmo os atores já iam embora
Restando apenas sombras a gemer
E um infante nascido naquela hora
E abandonado ali para morrer.

Era o meu sonho!, filho da velhice,
Inválido sem forças e sem auso,
Que, mesmo não havendo quem o visse,
Implorava do público um aplauso.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Elegia à Musa Ausente

Longe do paraíso de teus seios,
Perdido no meu próprio pensamento,
Compus quatorze versos e queimei-os
Pois sem ti a poesia é um desalento.

E mesmo naufragando em devaneios
Não pude suportar esse tormento:
Ao partires, querida, meus receios
Transformaram-se em gritos de lamento.

Mas minha angústia só será finada
Quando em meu coração tão imperfeito
Somente palpitar uma certeza:

Que em breve, numa noite enluarada,
Hei de também sentir rasgando o peito
A dor que sepultou minha princesa.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

O Monstro

Sei que são amizade e amor crimes iguais
Porém mesmo que não quisesse eu te amaria
Porque foi só no amor que vim saber um dia
Existir sonhos tão sublimes e fatais.

Amando fui levado a acreditar num céu
Que não existe e nem poderá vir a ser,
Porque sempre que surge a luz do amanhecer
No coração a dor espalha um negro véu

E no meu Éden morre um belo serafim
Pois junto da paixão a tristeza caminha
Para mais uma vez pisar a vida minha.

Assim se finalmente o Amor vir até mim
Anunciando a morte igual funéreo sino
Chame-o de monstro, mas acrescente divino.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Vicissitudes Noturnas

Ontem à noite fui dormir mais cedo
Antes que o Sono, imperador funesto,
Pusesse em cada coração um medo
Que em nós imita do assassino o gesto.

Contudo a Dor tecendo seu enredo
Aos meus pesares eis que trouxe presto,
Igual mar ferindo um nu rochedo,
Todo pavor que sem razão detesto...

Subitamente o sonho fez-se pranto
E a vizinhança inteira ouviu meu grito
Quando ferido sufoquei meu pânico,

Quando sangrando fiz da treva um manto,
E possuído de um fervor satânico,
Tornei-me apenas mais um deus finito.

terça-feira, 15 de maio de 2007

A Assustadora História Precedente

A vida era um só tormento
E viver uma agonia.
No meu riso nada havia
Que fosse fruto ou rebento
Daquela força gigante
Que uma só dor não espante.

O amor não alegrava mais,
Nem a paixão ou o tédio.
Acaso haveria remédio
Contra os vermes fatais
Que, invisíveis mas presentes,
Rasgavam-me com seus dentes?

Tentei viver a verdade
De uma mentira cristã,
Mas toda palavra vã
É do presídio a grade
Que enjaula mesmo a razão
No vazio de um coração.

Nessa minha eterna busca
Por algum significado
Provei de todo pecado
E no Sol que nos ofusca
Pintei em negro matiz
Meu sentimento infeliz.

Li milhares de tratados,
Opúsculos, bibliotecas,
Hinários de várias Mecas,
Compêndios e arrazoados
Da pura Filosofia
Para alegrar o meu dia.

Mas tudo era só tristeza!,
Minha verdade uma farsa
Qual assassino e comparsa
A roubar toda riqueza
Escondida nos segredos
E na soma de meus medos.

Chorei lágrimas de fel
E, ao passar a noite enfermo,
Buscando na dor um termo,
Eis que desperto um tropel
De demônios e terrores
E crimes de várias cores.

Eles lotaram meu quarto
E, como homens de negócio,
Riram da minha dor e ócio
Com sorriso largo e farto.
Por fim, sempre cheios de si,
Negaram tudo que vi.

Calado, pesei seus gritos,
Cada gemido e argumento.
Vi-os desenharem no vento
Sonhos vagos e malditos
Sobre tumbas langorosas
Cercadas por muitas rosas.

Quando a visão se desfez
Entendi completamente
Todo pavor que se sente
Na superfície da tez
Como um espasmo de frio,
Ensangüentado ou sombrio.

Sem lamentar minha sina
Flutuei até a janela
Para ver através dela
O abismo que me fascina ―
Um vão por onde saltar
Do quadragésimo andar.

Experimentei a altura
Mirando o Sol que nascia
No horizonte do meu dia.
Desejando a sepultura,
Voei meu vôo dileto
E mergulhei no concreto.

Epílogo

O vento soprou mais fino
Ecoando a dor sofrida
De quem salta de uma vida
E feliz cumpre o destino
Dos que encontram seu prazer
No estranho ato de morrer.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Do Desejo de Precipitar-se

Porventura será numa palavra vã
Que a Noite, do poeta a bela cortesã,
Dirá àquele que dorme um descanso sem medos
Como o Amor se revela em antigos segredos?

Envolta no negror de um estrelado véu
Virá a musa noturna, imperatriz do céu,
À cama do poeta, amante do perfeito,
Para dar-lhe um prazer satânico e suspeito.

De posse de um segredo escrito sem sinais
Ele beberá o mel que tanto suplicais;
E viajará então a uma cidade impura
Para sepultar ali a semente da ventura.

Mas todo dom exala o veneno do absinto
E até o poeta irá provar a dor que sinto:
Esse estranho licor que queima na garganta,
Como o vinho que mata, inspira e nos encanta.

Porque terás, infausto odiado e querido,
O mesmíssimo fado outorgado a Cupido:
Que toda flor que brota em meio à escuridão
É bastarda da mais infeliz decepção.

domingo, 13 de maio de 2007

Hino à Musa

Àquela que me inspira
a continuar vivo...
Que meu sangue congele nas artérias
E a minha boca prove do veneno;
Que minhas rugas tornem-se mais sérias
E o meu castelo faça-se pequeno.

Que eu venha a ser motivo de pilhérias
E me alimente apenas de água e feno;
Que eu saboreie todas as misérias
E a dor grite em meu sono mais sereno.

Enfim, que meu castigo seja a morte
Se algum dia meu verso desonrá-la
E a inspiração morrer nesse meu peito

Onde retumba aquele grito forte
De um coração que chora e se regala
Ofertando-lhe um cântico perfeito.

sábado, 12 de maio de 2007

Revelia Manifesto

Arte do latim ars, s. f.

Enlevo derramado numa taça de angústia ressentida ● Beleza refletida no espelho dos olhares perdidos no horizonte ● Exacerbação dos sentidos e do espírito num profundo hausto de nímia sensaboria.
Sangue do latim sanguis, s. m.
Líquido amaro das paixões malferidas ● Matiz com o qual imagens de escuridão e desespero são pintadas pelo Artista da Vida ● Veneno gotejante de nossas preces alcançando os ouvidos surdos de Deus.
Morte do latim mors, s. f.
Túmulo onde dorme toda infância natimorta ● Monstro de mil faces e um só motivo, disposto a nos fazer sangrar num sono eterno e dilacerante ● Aquele instante de silêncio e apreenção que precede o pranto.

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Esse Weblog será inaugurado em breve. Nesse ínterim, o espírito que habita essas páginas murmura sonhos pesados e segredos ocultos no além-túmulo:

Porque meu verso é uma facada no meu peito,
É um afogado que se atira em todo mar,
É alguém que parte para nunca mais voltar...

Ars Poetica, versos finais.
Aguarde...